Marcos Uchôa experimentou o que ele considera seu “maior azar profissional” há exatamente duas décadas, em 11 de setembro de 2001. Um dia depois de voltar a Londres, onde morava e atuava como correspondente internacional da TV Globo, de uma viagem a Nova York para reportagens sobre a participação de Gustavo Keurten, o Guga, no torneio de tênis US Open, o repórter perdeu a chance de estar in loco para acompanhar um acontecimento tão trágico quanto histórico: o atentado terrorista às Torres Gêmeas do World Trade Center. Agora, aos 63 anos, sendo 38 de jornalismo, o carioca reúne todo o seu conhecimento em coberturas no Oriente Médio, berço do islamismo, e no Ocidente na série documental “Retratos de uma guerra sem fim”, disponível no Globoplay a partir deste sábado (11), inclusive para não assinantes. A GloboNews exibe o primeiro episódio neste domingo (12), às 23h. (leia mais abaixo)
Qual é o foco da série?
Ela mostra as consequências do 11 de setembro para o mundo. O que aconteceu em Nova York foi coberto muito bem e muitas vezes. Eu não teria nada a acrescentar, até porque não estava lá. Não é uma série para especialistas ou acadêmicos, mas para pessoas comuns, interessadas no assunto. São quatro episódios, de pouco mais de 40 minutos cada, que podem ser vistos separadamente ou tudo junto. O material da Guerra da Síria e da Tunísia são completamente inéditos. Estivemos na Síria em 2017 e mostramos o país por dentro, pelo olhar da população, o não oficial. À Tunísia, eu viajei em junho deste ano. (leia mais abaixo)
A pandemia da Covid comprometeu a produção?
Tive a ideia da série em fevereiro. Por questões orçamentárias, ela só foi aprovada no final de maio. Então, foi uma correria para escrever, viajar, voltar e a equipe editar tudo a tempo. Quando chegamos na Tunísia, parecia que a população estava meio maluca, a maioria não usava máscara. Ficamos lá por 15 dias. Quando fomos embora, começaram os protestos contra o descaso do governo. E em julho a Covid piorou muito no país. Se tivéssemos ido dias depois, não teríamos conseguido gravar lá. Talvez, nem entrar no país, que é fascinante e tem problemas muito parecidos com os do Brasil: desemprego, desindustrialização, uma certa frustração com a democracia que leva muita gente a buscar uma via mais autoritária. Os atuais acontecimentos no Afeganistão, com a retomada do Talibã, também foram incluídos na série. Eu adoraria voltar a esse país agora, mas não havia tempo hábil. Está nos meus planos fazer uma segunda série, continuando com esse tema ou avançando para outros. (leia mais abaixo)
A seu ver, como o atentado de 11 de setembro de 2001 ainda afeta o mundo?
O terrorismo, obviamente, já existia, antes de 2001. Mas os atentados levaram essa questão à primeira página dos jornais. Como os americanos invadiram o Afeganistão e logo depois entraram no Iraque, de certa maneira, eles sacudiram o pano vermelho na frente do touro. Atiçaram em muitos jovens radicais a vontade de lutar contra o Ocidente. O terrorismo cresceu de várias formas. Na Europa, atentados em sequência. Em aeroportos, os protocolos de embarque ficaram muito mais rígidos depois do 11 de setembro. Agora, o triunfo do Talibã impulsiona a mensagem de vitória da violência em detrimento à democracia. E a gente tem visto a democracia atacada em muitos outros países: Hungria, Polônia, Grã-Bretanha e o próprio Brasil. Sem falar que a China de hoje é pior que a de 2001 na questão falta de liberdade. Tudo isso tem uma certa consequência do radicalismo de 20 anos atrás. (leia mais abaixo)
Como diz o título da série, as guerras parecem não ter fim. Há um caminho possível para a reconstrução e a paz?
Acho que a maioria das pessoas prefere viver em paz, ainda que seja sob uma ditadura, o que já implica violência. Mas uma bomba, uma guerra, é outro nível de sofrimento. É muito difícil dizer o que pode acontecer, já que os avanços tecnológicos têm ajudado na repressão. As ditaduras estão ficando ainda mais brutais com espionagem, internet, redes sociais… (leia mais abaixo)
Por vezes, temos uma visão um tanto simplista e equivocada da cultura oriental. Como jornalista brasileiro, que cuidados você tem ao relatar esse universo tão diferente sem julgamentos exagerados?
O que chega pra gente da parte internacional, muitas vezes, é uma caricatura. Assim como o Brasil também é visto com estereótipos. Não somos só futebol, carnaval e violência. Por isso, acho importante a gente viajar e ir ao lugar, conhecer pessoas. No Afeganistão, numa cidade chamada Herat, toda quinta-feira à noite aconteciam saraus de poesia. As portas das casas ficavam abertas para homens, mulheres, crianças, idosos. Não é incrível? O radicalismo religioso é só uma faceta. Existe lá como existe aqui ou nos Estados Unidos, em formatos diversos. E ele é ruim em qualquer lugar, em qualquer situação. O jornalismo internacional permite que a gente entenda melhor o mundo em que vivemos. E essa série tenta mostrar tamanha complexidade com um olhar mais compreensivo. (leia mais abaixo)
O assunto é dramático. “Retratos de uma guerra sem fim” tem cenas leves?
Tentamos encontrar um equilíbrio entre informação, história e entretenimento. Precisa também ter uma leveza. O casamento no Afeganistão, por exemplo, é curioso: um salão só para os homens e outro só para as mulheres. E os homens dançam entre si, é engraçado. Enfim, a edição está muito boa, as imagens são muito bonitas e o resultado ficou sensível. A pipoca não vai ficar indigesta (risos).
*Fonte: Extra