A Justiça determinou o retorno das aulas de todas as crianças das redes pública e privada de Campos. A decisão proferida nesta quinta-feira (3), pela juíza substituta Kathy Byron Alves dos Santos, da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, é resultado de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, através da Promotoria de Tutela Coletiva da Infância e Juventude de Campos. A multa para a Prefeitura de Campos em caso do descumprimento é de R$500 mil. Confira a decisão abaixo.
Inicialmente destaco que deixo de oportunizar o contraditório prévio porque o início do ano letivo está designado para o dia 07/02/2022, próxima segunda-feira, e o decreto municipal guerreado, que adiou o início do ano letivo para parte dos alunos, datou de 01/02/2022.
O decreto foi publicado na última terça-feira. A petição inicial foi distribuída hoje, quinta-feira, e os autos vieram à conclusão para decisão urgente às 17h19min. O dia inicial das aulas para parte considerável dos alunos seria a próxima segunda-feira.
Nesse cenário, oportunizar o contraditório prévio seria permitir que o decreto, lançado às vésperas da data inicial do ano letivo que ele próprio excepcionou, alcançasse, por via oblíqua (pelo tempo necessário ao trâmite), os efeitos que ele buscou produzir e que o pedido liminar desta ACP visa evitar, sem analisar, sequer sumariamente, a sua legalidade.
Assim, decido à luz das alegações da parte autora – Ministério Público – e documentos que constam nos autos. A educação é direito fundamental (art. 6º, da CRFB/88) de todos, especialmente das
crianças[2], as quais devemos proteger, e dever do Estado (art. 226, CRFB/88),. É atividade essencial do Poder Público por sua própria natureza.
O decreto contra o qual se insurge o Ministério Público estabeleceu que as aulas, que se encerraram presencialmente no ano de 2021, retornarão presencialmente no dia 07/02/2022, COM EXCEÇÃO dos alunos “da educação infantil com 5ª nos completos (pré-escolar III)” e dos “alunos do ensino fundamental – anos iniciais (1º ao 5º)”, para os quais o ano letivo só se iniciaria presencialmente no dia 07/03/3022, um mês após os demais.
Não foi indicada no decreto qualquer razão para a distinção estabelecida no art. 14, incisos II e IV, nem mesmo nos “considerandos” que o motivaram. A “bandeira” considerada no decreto é a AMARELA; a do Estado, LARANJA[3], como bem destacou o Ministério Público, de modo que esse indicador não parece escorar a medida.
Além do mais, como bem assinalou o Parquet, eventos privados de massa com reunião de até mil pessoas em ambiente fechado (art. 5º, III, do decreto municipal) seguem autorizados, de modo que qualquer restrição ao retorno às aulas presenciais, ainda que para parte dos alunos, parece maculada de evidente falta de proporcionalidade entre o fim almejado e o meio escolhido, já que haveria outros meios menos gravosos (como a vedação a tais eventos privados) para evitar a circulação e a aglomeração de pessoas e o consequente contágio, meios menos gravosos esses dos quais o Ente Público deveria lançar mão antes de se utilizar do meio mais gravoso em questão (a restrição à retomada das aulas presenciais para parte considerável dos alunos).
A vacinação da faixa etária atingida pelo decreto[4] não pode servir de justificativa para impedi-la do retorno às aulas presenciais, pois, como bem destacado na petição inicial, a falta da vacina (mesmo quando esta sequer era cogitada para os mais jovens) não serviu a tal propósito durante o ano de 2021, quando este grupo de alunos desfrutou de aulas presenciais até o encerramento do ano letivo. A vacina veio para proteger, e não pode servir para prejudicar.
Ademais, não está em discussão a exigência do comprovante de vacinação dos alunos em faixa etária vacinável, medida que não foi adotada no decreto. Sem adentrar na legalidade desta medida, o decreto não exige o comprovante de vacinação dos alunos para a frequência às aulas presenciais, de modo que a faixa etária alvejada não pode ser excluída das aulas presenciais apenas por estar no calendário de vacinação em data próxima ao retorno do ano letivo (07/02). Diante desses fundamentos, merece acolhida o pedido urgente.
DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA para:
1. SUSPENDER os efeitos dos incisos II e IV do art. 14, do decreto municipal 012/22 do Município de Campos dos Goytacazes, para que o retorno às aulas presenciais dos alunos “da educação infantil com 5ª nos completos (pré-escolar III)” e dos “alunos do ensino fundamental – anos iniciais (1º ao 5º)” ocorra no dia 07/02/2022, com os demais alunos que retornarão nessa data.
2. DETERMINAR QUE, até decisão posterior, qualquer restrição às aulas presenciais ocorra após a restrição a atividades não essenciais, como decorrência lógica da necessidade de proporcionalidade entre o gravame social imposto às crianças e adolescentes e o meio escolhido para a contenção epidemiológica e da imposição do art. 227, da CRFB.
3. DETERMINAR QUE o réu dê ampla publicidade, no prazo de 24 horas, acerca do cumprimento desta decisão judicial, adotando as providências para viabilizar o acesso à educação de todos os alunos no início do calendário deste ano letivo previsto para 07/02/2021, seja autorizando a disponibilização dos serviços no setor privado, seja executando-os no âmbito público.
O descumprimento da ordem fará incidir sobre a Municipalidade multa única no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e expedição de cópias para instruir inquérito civil por improbidade administrativa em face dos gestores públicos responsáveis pelo descumprimento.
Cite-se e intime-se o Município, PELO OJA DE PLANTÃO. Dê-se ciência ao Sr Prefeito ou a quem em seu nome exare o ciente, apondo nome e matrícula, e à Procuradoria do Município, preferencialmente na pessoa do Sr Procurador Geral ou de quem o substitua. Após a resposta e à luz do contraditório o pedido urgente poderá ser reapreciado.
[1] Da publicação constante do site Secretaria de Estado de Saúde1, extrai-se que os níveis de alerta hoje adotados pelo Estado do Rio de Janeiro, com base em dados numéricos de casos/leitos/óbitos, mostram claramente a possibilidade de funcionamento em Campos os Goytacazes da atividade educacional presencial, uma vez que classificado no último dia 26/01/2021 como NÍVEL MODERADO de risco (bandeira laranja), tendo sido encomendado pela Secretaria de Estado de Saúde até mesmo o funcionamento em NÍVEL ALTO bandeira vermelha).
[2] Art. 227, CRFB/88. É dever (…) do Estado assegurar à criança (…) com absoluta prioridade, o direito à (…) à
educação (…)
[3] Observada a data mencionada pelo MP na petição inicial, conforme link constante dos autos.
[4] A campanha de imunização contra a Covid-19 para a população de 05 a 11 anos de idade teve início, neste município, em 18/01/2022, com crianças portadoras de comorbidades, sendo ampliada, em 26/01/2022, para infantes sem comorbidades. (fls. 8/16, terceiro parágrafo).
CAMPOS DOS GOYTACAZES, 3 de fevereiro de 2022.
KATHY BYRON ALVES DOS SANTOS
Juiz Substituto.
Fonte: Ascom